Psy

"Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida" "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar" "Clarice Lispector"

13.7.06

O Lado Fatal


Deus (ou foi a Morte?) golpeou com sua pesada foice o coração do meu amado (não se vê a ferida, mas rasgou o meu também). Ele abriu os olhos, com ar deslumbrado, disse bem alto meu nome no quarto de hospital e partiu.
Quando se foram também os médicos e suas máquinas inúteis, ficamos sós: a Morte (ou foi Deus?) o meu amado e eu. Enterrei o rosto na curva do seu coração emudecido e o meu, varados por essa dourada foice. Por onde vou deixo os rastros de um sangue denso e triste que não estancará jamais.

O meu amado tinha tantas manias: perdia canetas, lápis, chaves. Houve um livro que comprou três vezes em um mês: depois encontramos todos e mais um sob velhos jornais. Mandei fazer uma estante nova para organizar seus livros: mas quando ele se foi, mas que livros havia ali de novo jornais. Nunca sabia bem por que os guardara. Eram parte do seu ninho, como nossos lençóis e os móveis da sala. Não conseguia sentar-se mais que meia hora para escrever: vinha ao meu escritório, usava de pretextos para me distrair, dava um beijo, fazia confidências, comentava assuntos do dia. Quando me via triste, dizia entre compassivo e magoado: ”Você hoje está numa melancolia profunda?” Certa vez discutimos, e ele deixou sobre minha máquina de escrever um bilhetinho: “Hélio Pellegrino ama Lya Luft.” Nunca tivemos mais que vinte anos.
“A morte, velha amiga, me sorri: agora tem do seu lado aquele que me foi tudo nesta vida. Tem mãos macias a velha senhora, traiçoeiras e leves mas reveladoras: porque um dia me recolherá também para debaixo do seu manto e haverá esplendor.”

A vida é maravilhosa, mesmo quando dolorida. Eu gostaria que na correria da época atual a gente pudesse se permitir, criar, uma pequena ilha de contemplação, de autocontemplação, de onde se pudesse ver melhor todas as coisas: com mais generosidade, mais otimismo, mais respeito, mais silêncio, mais prazer. Mais senso da própria dignidade, não importando idade, dinheiro, cor, posição, crença. Não importando nada."O Ponto Cego".

1 Comments:

Blogger Maria José Silva diz...

Obriga... menina.
Você sempre presente.

9:45 AM  

Postar um comentário

<< Home

No amor, nem sempre são as faltas o que mais nos prejudica, mas sim a maneira como procedemos depois de as ter cometido. "Oví­dio"