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Alguns poemas de Lya Luft tirados da Mulher no Palco
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Todos esses Anjos que à noite agitam cortinas e sussurram frases que temes entender: se te tomarem nos braços se te beijarem na boca, se te entrarem no corpo, não te darão certeza de que morrer, viver, são igualmente suaves e difíceis loucos e sensatos , e urgentíssimos?
Poderás enfim amar, rendendo-te àquilo que te aflora com suas asas, te chama com suas vozes, te vara constantemente com essa luz, essa dor.
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Um anjo vem todas as noites: senta-se ao pé de mim, e passa sobre meu coração a asa mansa, como se fosse meu melhor amigo.
Esse fantasma que chega e me abraça (asas cobrindo a ferida do flanco) é todo o amor que resta entre ti e mim, e está comigo.
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Se falo, me escondo; se escrevo, me desnudo. Foi isso que eu quis ao me plantar em cena, nessa luz? Vestida de sombras, movendo véus de angústia, levantar a pele, dando a ver minha ferida acesa?
De longe, porém: sossegada e calma, ninguém sabendo que sou eu, eu sempre, despudorada ao alcance deles, jogando numa tela lúcida os demônios que seduzem meu corpo e reclamam minha alma.
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Se me quiserem amar, terá de ser agora: depois, estarei cansada. Minha vida foi feita de parceria com a morte: pertenço um pouco a cada uma, para mim sobrou quase nada.
Ponho a máscara do dia, um rosto cômodo e fixo: assim garanto a minha sobrevida. Se me quiserem amar, terá de ser hoje: amanhã, estarei mudada.
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As angústias que escrevo não são minhas: são desses rostos colados na vidraça espreitando com sinais que não decifro. Eles escrevem: minha é só a mão que imprime seus recados mútuos. Eles se amam, ferem-se, alagam de sangue e lágrimas a minha mesa.
(Eu seguro o coração na mão crispada, para que, jogado no tapete, não o esmaguem ao entrar esses espectros.)
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Homens são passos; mulheres são perfumes que se aproximam, param e se esquivam sem lançar raízes nessa treva. Beijam-se às vezes, como num murmúrio, e eu abro meus lábios tão precários, para depois, num mundo só de beijos, pousar a mão sobre meus olhos mortos, como se baixasse nesses entrevados o teu carinho, a medo.
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Ter um colo para os desamados, os lúcidos, terríveis loucos, que varam as noites rasgando a alma e sentindo na boca o gosto do próprio sangue: mas não posso.
Um me escreve cartas lancinantes, outro quer se matar, outro ainda ficou cego de amor e já não pode viver.
Fico diante da lareira toda a noite olhando o fogo que não devora o mundo. O amor, todo o amor, no fundo é cinza.
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Lembro-me de ti Nesse instante absoluto, A vida conduzida por um fio de música. Intenso e delicado, ele vai-nos fechando num casulo Onde tudo será permitido.
Se é só isso que podemos ter, Que seja forte. Que seja único. Tão íntimo quanto ouvirmos a mesma melodia, Tendo o mesmo - esplêndido - pensamento.
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Quando pensamos estar dentro da vida,
a Morte põe-se a chorar dentro de nós. Rilke
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