Psy

"Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida" "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar" "Clarice Lispector"

17.4.08

Fragmentos de Lya Luft

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Alguns poemas de Lya Luft
tirados da Mulher no Palco




Todos esses Anjos que à noite
agitam cortinas e sussurram frases
que temes entender:
se te tomarem nos braços
se te beijarem na boca,
se te entrarem no corpo,
não te darão certeza de que morrer, viver,
são igualmente suaves e difíceis
loucos e sensatos , e urgentíssimos?

Poderás enfim amar, rendendo-te àquilo
que te aflora com suas asas,
te chama com suas vozes,
te vara constantemente com essa luz,
essa dor.



Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim, e passa
sobre meu coração a asa mansa,
como se fosse meu melhor amigo.

Esse fantasma que chega e me abraça
(asas cobrindo a ferida do flanco)
é todo o amor que resta
entre ti e mim, e está comigo.



Se falo, me escondo; se escrevo, me desnudo.
Foi isso que eu quis ao me plantar em cena,
nessa luz? Vestida de sombras,
movendo véus de angústia, levantar a pele,
dando a ver minha ferida acesa?

De longe, porém: sossegada e calma,
ninguém sabendo que sou eu, eu sempre,
despudorada ao alcance deles,
jogando numa tela lúcida os demônios
que seduzem meu corpo e reclamam minha alma.



Se me quiserem amar, terá de ser agora:
depois, estarei cansada.
Minha vida
foi feita de parceria com a morte:
pertenço um pouco a cada uma,
para mim sobrou quase nada.

Ponho a máscara do dia,
um rosto cômodo e fixo:
assim garanto a minha sobrevida.
Se me quiserem amar, terá de ser hoje:
amanhã, estarei mudada.



As angústias que escrevo não são minhas:
são desses rostos colados na vidraça
espreitando com sinais que não decifro.
Eles escrevem: minha é só a mão
que imprime seus recados mútuos.
Eles se amam, ferem-se, alagam
de sangue e lágrimas a minha mesa.

(Eu seguro o coração na mão crispada,
para que, jogado no tapete,
não o esmaguem ao entrar esses espectros.)



Homens são passos; mulheres são perfumes
que se aproximam, param e se esquivam
sem lançar raízes nessa treva.
Beijam-se às vezes, como num murmúrio,
e eu abro meus lábios tão precários,
para depois, num mundo só de beijos,
pousar a mão sobre meus olhos mortos,
como se baixasse nesses entrevados
o teu carinho, a medo.




Ter um colo para os desamados,
os lúcidos, terríveis loucos,
que varam as noites rasgando a alma
e sentindo na boca o gosto do próprio sangue:
mas não posso.

Um me escreve cartas lancinantes,
outro quer se matar, outro ainda
ficou cego de amor e já não pode viver.

Fico diante da lareira toda a noite
olhando o fogo que não devora o mundo.
O amor, todo o amor, no fundo
é cinza.



Lembro-me de ti
Nesse instante absoluto,
A vida conduzida por um fio de música.
Intenso e delicado, ele vai-nos fechando num casulo
Onde tudo será permitido.

Se é só isso que podemos ter,
Que seja forte. Que seja único.
Tão íntimo quanto ouvirmos a mesma melodia,
Tendo o mesmo - esplêndido - pensamento.





Quando pensamos estar dentro da vida,

a Morte põe-se a chorar dentro de nós.

Rilke



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No amor, nem sempre são as faltas o que mais nos prejudica, mas sim a maneira como procedemos depois de as ter cometido. "Oví­dio"