| Ecola Point, Oregon Coast © Don Paulson |
uma ave de palavras escreve no espaço a remota sabedoria do voo, depois desce e vem pousar suavemente na palma da mão. olho-a mas não ouso tocar-lhe.
o mundo dorme sob o vento. só eu continuo acordado sob vigília. se houvesse agora uma catástrofe eu daria por ela. levantar-me-ia daqui para encarar a morte, dizer-lhe que são inutilidades o que arrasta consigo. Al Berto
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| Tuscan Landscape at Sunrise, Italy © SuperStock, Inc. |
tempo branco, tempo de nenhuma paixão. desce ao âmago desta cela. debruça-te para o interior do meu vazio. nenhum rosto, nenhum pensamento, nenhum gesto inútil. nenhum desejo - porque o desejo precisa de um rosto. e no lugar daquele que partiu acende-se a noite. pressente-se a morte. Mas no fundo de mim carregas ao ombro uma chapa de aço, em forma de sol apagado.
o teu corpo fundiu no silêncio do meu. dormimos na espessura da poeira, e nela suspendemos o tempo. abandonamos a alma. Esquecêmo-nos. nada sentimos, nenhum acto se realiza. nenhuma alegria ou tristeza. apenas matéria, matéria deixada à voragem dos escombros e da ferrugem.
agora podemos tocar, enlear, comprimir ou distender os corpos. construir formas com eles e deixá-los, assim, numa melancólica eternidade. longe do olhar dos outros, respiramos ao mesmo tempo - como uma só engrenagem, única e bela. resquício de memória que se apaga lentamente, sem que ninguém dê por isso. Al Berto
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| Mount St. Helens and Spirit Lake, Washington © Russ Finley / Finley-Holiday Films |
há-de flutuar uma cidade no crepúscolo da vida pensava eu... como seriam felizes as mulheres à beira mar debruçadas para a luz caiada remendando o pano das velas espiando o mar e a longitude do amor embarcado por vezes uma gaivota pousava nas águas outras era o sol que cegava e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite os dias lentíssimos... sem ninguém e nunca me disseram o nome daquele oceano esperei sentada à porta... dantes escrevia cartas punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua assim envelheci... acreditando que algum homem ao passar se espantasse com a minha solidão (anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)
um dia houve que nunca mais avistei cidades crepusculares e os barcos deixaram de fazer escala à minha porta inclino-me de novo para o pano deste século recomeço a bordar ou a dormir tanto faz sempre tive dúvidas que alguma vez me visite a felicidade Al Berto
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1 Comments:
Esse Al Berto tem a alma aberta à poesia.
belíssimo!
bjs e bons ventos agostinos.
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