Psy

"Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida" "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar" "Clarice Lispector"

19.9.07



Se um homem de uma civilização anterior à nossa - um grego da Antiguídade, digamos, um romano - aparecesse de súbito entre os seres humanos do presente, suas primeiras impressões o levariam a considerá-los uma raça de mágicos, de semideuses. Mas fosse um Platão ou um Marco Aurélio e se recusasse a ficar deslumbrado ante as maravilhas materiais criadas pela tecnologia avançada e examinasse a condição humana com mais cuidado, suas primeiras impressões dariam lugar a uma grande consternação.

Notaria logo que o homem, não obstante o imponente grau de domínio sobre a natureza, possui um controle muito limitado sobre o seu interior. Perceberia que esse mágico moderno, capaz de descer ao fundo do oceano e de projetar-se até a lua, é, em larga medida, ignorante do que se passa nas profundezas do próprio inconsciente e incapaz de se elevar aos luminosos níveis da supraconsciência, tornando-se cônscio de seu próprio self. Verificaria que esse pretenso semideus que controla grandes forças elétricas com o mover de um dedo e inunda o ar de sons e imagens para divertimento de milhões de pessoas - é incapaz de lidar com as próprias emoções, impulsos e desejos.

Conforme indicaram diversos autores, entre os quais Toynbee, esse abismo que se interpõe entre as forças internas e externas do homem é uma das causas mais importantes e profundas dos males individuais e coletivos que afligem nossa civilização e tão gravemente lhe ameaçam o futuro.




O homem teve de pagar caro por suas realizações materiais. Sua vida tornou-se mais ampla, mais rica e mais estimulante, porém, ao mesmo tempo, mais complicada e extenuante. Seu ritmo acelerado, as oportunidades oferecidas para gratificação dos desejos, a maquinaria social e econômica onde se emaranhou – tudo isso exige cada vez mais de suas funções mentais, de suas emoções e de sua vontade. Se fosse necessária uma prova convincente deste fato, bastaria observar o dia de um homem de negócios, de um político, de uma mulher que tem uma carreira ou de uma dona-de-casa.

Não raro faltam, ao indivíduo, recursos para enfrentar as dificuldades e ciladas deste tipo de existência. Sua resistência pode ruir, em face das exigências, confusões e estímulos que ela propõe. Segue-se a isto um distúrbio que leva ao desânimo, à frustração – e mesmo ao desespero.

O remédio para tais males – para esse estreitamento e eventual fechamento do abismo fatal entre as forças externas e internas do homem – tem sido e deve ser buscado em duas direções: na simplificação da vida interior e no desenvolvimento das forças exteriores.



In: O Ato da Vontade, Roberto Assagioli
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No amor, nem sempre são as faltas o que mais nos prejudica, mas sim a maneira como procedemos depois de as ter cometido. "Oví­dio"