I Pousa sobre esses espetáculos infatigáveis uma sonora ou silenciosa canção: flor do espírito, desinteressada e efêmera.
Por ela, os homens te conhecerão: por ela, os tempos versáteis saberão que o mundo ficou mais belo, ainda que inutilmente, quando por ele andou teu coração.
II És precária e veloz, Felicidade. Custas a vir e, quando vens, não te demoras. Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo, e, para te medir, se inventaram as horas.
Felicidade, és coisa estranha e dolorosa: Fizeste para sempre a vida ficar triste: Porque um dia se vê que as horas todas passam, e um tempo despovoado e profundo, persiste.
III Mutilados jardins e primaveras abolidas abriram seus miraculosos ramos no cristal em que pousa a minha mão.
(Prodigioso perfume!)
Recompuseram-se tempos, formas, cores, vidas... Ah! mundo vegetal, nós, humanos, choramos só da incerteza da ressurreição.
IV O choro vem perto dos olhos para que a dor transborde e caia. O choro vem quase chorando como a onda que toca na praia.
Descem dos céus ordens augustas e o mar chama a onda para o centro. O choro foge sem vestígios, mas levando náufragos dentro.
V Gosto da gota d'água que te equilibra na folha rasa, tremendo ao vento. Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra: e ela resiste, no isolamento.
Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto: pronto a cair, pronto a ficar - límpido e exato. E a folha é um pequeno deserto para a imensidade do ato.
VI Nestas pedras caiu, certa noite, uma lágrima. O vento que a secou deve estar voando noutros países, o luar que a estremeceu tem olhos brancos de cegueira, - esteve sobre ela, mas não viu seu esplendor.
Só, com a morte do tempo, os pensamento que a choraram verão, junto ao universo, como foram infelizes, que, uma lágrima foi, naquela noite a vida inteira, - tudo quanto era dar , - a tudo que era o por.
VII A tua raça de aventura quis ter a terra, o céu, o mar. Na minha, há uma delícia obscura em não querer, em não ganhar...
A tua raça quer partir, guerrear, sofrer, vencer, voltar. A minha, não quer ir nem vir. A minha raça quer passar.
VIII Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda. Sabendo bem que era nuvem, depus minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil, fiquei sem poder chorar, quando caí.
IX O vento voa, A noite toda se atordoa, A folha cai. Haverá mesmo algum pensamento Sobre esta noite? Sobre o vento? Sobre esta folha que se vai?
X A minha vida se resume, desconhecida e transitória, em contornar teu pensamento,
sem levar dessa trajetória nem esse prêmio de perfume que as flores concedem ao vento.
XI A ventania misteriosa passou na árvore cor de rosa e sacudiu-a como um véu, um largo véu, na sua mão.
Foram-se os pássaros para o céu. Mas as flores ficaram no chão.
XII A engrenagem trincou pobre e pequeno inseto. E a hora certa bateu, grande e exata, em seguida. Mas o toque daquele alto e imenso relógio dependia daquela exígua e obscura vida? Ou percebeu sequer, enquanto o som vibrava, que ela ficava ali, calada mas partida?
XIII PASSARAM os reis coroados de ouro, e os heróis coroados de louro: passaram por estes caminhos.
Depois, vieram os santos e os bardos. Os santos, cobertos de espinhos. Os poetas, cingidos de cardos.
Narciso, foste caluniado pelos homens,
por teres deixado cair, uma tarde, na água incolor, a desfeita grinalda vermelha do teu sorriso.
Narciso, eu sei que não sorrias para o teu vulto, dentro da onda: sorrias para a onda, apenas, que enlouquecera, e que sonhava gerar no ritmo do seu corpo, ermo e indeciso,
a estátua de cristal que sobre a tarde, a contemplava, florindo-a para sempre, com o seu efêmero sorriso...
Entre o desenho do meu rosto e o seu reflexo, meu sonho agoniza, perplexo.
Ah! pobres linhas do meu rosto, desmanchadas do lado oposto, e sem nexo!
E a lágrima do seu desgosto sumida no espelho convexo!
Sede assim — qualquer coisa serena, isenta, fiel.
Flor que se cumpre, sem pergunta.
Onda que se esforça, por exercício desinteressado.
Lua que envolve igualmente os noivos abraçados e os soldados já frios.
Também como este ar da noite: sussurrante de silêncios, cheio de nascimentos e pétalas.
Igual à pedra detida, sustentando seu demorado destino. E à nuvem, leve e bela, vivendo de nunca chegar a ser.
À cigarra, queimando-se em música, ao camelo que mastiga sua longa solidão, ao pássaro que procura o fim do mundo, ao boi que vai com inocência para a morte.
Sede assim qualquer coisa serena, isenta, fiel.
Não como o resto dos homens.
Pelo arco-íris tenho andado. Mas de longe, e sem vertigens. E assim pude abraçar nuvens, para amá-las e perdê-las.
Foi meu professor um pássaro, dono de arco-íris e nuvens, que dizia adeus com as asas, em direção às estrelas.
A serviço da Vida fui, a serviço da Vida vim;
só meu sofrimento me instrui, quando me recordo de mim.
(Mas toda mágoa se dilui: permanece a Vida sem fim.)
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