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"Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida" "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar" "Clarice Lispector"

16.5.09

Cecília Meireles (Viagem Vaga Música)


Cecília Meireles

No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia, o outro desapareceu...


Velho Estilo


Coisa que passas, como é teu nome?
De que inconstância foste gerada?
Abri meus braços para alcançar-te:
fechei meus braços, – não tinha nada!

De ti só resta o que se consome.
Vais para a morte? Vais para a vida?
Tua presença nalguma parte
É já sinal da tua partida.

E eu disse a todos desse teu fado,
Para esquecerem do teu chamamento,
Saberem que eras constituída
Da errante essência da água e do vento.

Todos quiseram ter-te, malgrado,
Prenúncios tantos, tantas ameaças,
Grande, adorada desconhecida,
Como é teu nome, coisa que passas?

Pisando terras e firmamento,
Com um ar de exausta gente dormida,
Abandonaram termos tranqüilos,
Portas abertas, áreas da vida.

E eu, que anunciei o acontecimento,
Fui atrás deles, com insegurança,
Dizendo que ia por dissuadi-los,
Mas tendo a sua mesma esperança.

No ardente nível dessa experiência,
Sem rogo, lágrima, nem protesto,
Tudo se apaga, preso em sigilos:
Mas no desenho do último gesto,

Há mãos de amor para a tua ausência.
E esse é o vestígio que não se some:
Resto de todos, teu próprio resto.
- Coisa que passas, como é teu nome?


Canção do Mundo Acabado


Meus olhos andam sem sono
Somente por te avistarem
de uma tão grande distância

De altos mastros ainda rondo
tua lembrança nos ares
O resto é sem importância

Certamente não há nada
de ti, sobre este horizonte
desde que ficaste ausente

Mas é isso que me mata
Sentir que estás não sei onde
mas sempre na minha frente

Não acredites em tudo que disser a minha boca
sempre que te fale ou cante

Quando não parece, é muito
quando é muito, é muito pouco
e depois nunca é bastante

Foste o mundo sem ternura
em cujas praias morreram
meus desejos de ser tua

Água salgada me escuta
e mistura nas areias
meu pranto e o pranto da lua,

A mim não fizeste rir
e nunca viste chorar

Por que o tempo sempre foi
longo pra me esqueceres
e curto pra te amar...



É preciso não esquecer nada


É preciso não esquecer nada:
Nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
Nem o sorriso para os infelizes
Nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
Nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
O nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
A idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
Vigiados pelos próprios olhos
Severos conosco, pois o resto não nos pertence.


Murmúrio


Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!


Despedida


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.

Canção

Nós somos como perfume
da flor que não tinha vindo:
esperança do silêncio,
quando o mundo está dormindo.

Pareceu que houve o perfume...
E a flor, sem vir, se acabou.
Oh, abelha imaginativa
o que o desejo inventou...

No amor, nem sempre são as faltas o que mais nos prejudica, mas sim a maneira como procedemos depois de as ter cometido. "Oví­dio"