Psy

"Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida" "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar" "Clarice Lispector"

16.2.10

Poemas de Amor.








Ante o deslumbramento do teu vulto
sou ferido de atônita surpresa
e vejo que uma auréola de beleza
dissolve em lua a treva em que me oculto.

Estás em cada reza do meu culto,
sonhas na minha lânguida tristeza,
e, disperso por toda a natureza,
paira o deslumbramento do teu vulto.

É tua vida a minha própria vida,
e trago em mim tua alma adormecida...
Mas, num mistério surdo que me assombra,

Tu és, às minhas mãos, fluida, fugace,
como um sonho que nunca se sonhasse
ou como a sombra vã de uma outra sombra...


Abgar Renault - 1903, Barbacena/MG







O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.

O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.

O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.

Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.

Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.


Adélia Prado - Divinópolis/MG








O coração não pulsa a clave dura
Cantando a rosa de si mesma urdida,
Seu tempo esculpe a aurora sem medida
Sobre as orlas da carne que amadura.

Nenhuma fonte aqui nos inaugura
Com a floração de água surpreendida,
Revolvemos os campos onde a vida
Pendoa-se e aos seus dias transfigura.

Confluência de vento e flauta rústica,
Em nosso lábio colhem outra acústica
Os pássaros moldados pela tarde.

Entanto, despojando-se de tudo
O amor ainda se apura e, embora mudo,
Faz do silêncio a fórmula de alarde.


Affonso Ávila - 1928, Belo Horizonte/MG








Talvez não fora amor, mas por encantamento
mares de fúria e sal tremeram de ternura.
E muito dei de amar no enlevo de um momento,
ao súbito acordar no estuário da procura.
Na face do silêncio, em em deslembrado espelho,
abriu-se novo espaço, e nele um tempo louco
do portal que me encerra arrancou o cravelho,
e de um mundo perdido eu pude ter um pouco.
Por ter-me dado todo, eu pude ter bastante.
Pude subir ao céu e acender uma estrela.
Pude chegar ao mar e ouvir um mar distante.
Pude apanhar a vida e em minhas mãos bebê-la.
E pude até sentir o seu veneno lento...
Talvez não por amor, mas por deslumbramento.


Afonso Felix de Sousa - 1925, Jaraguá/GO








Logo será tempo de amar e não amar
amando, não o amor que em nós se faz
como os pêlos das feras, que surgem de seu sangue,
mas o que corta a nossa carne como a chuva
e arde como um sol não recordado
ao relento, de noite, junto à fonte
do orvalho, mas terroso, estupro e cacto.
Febre do céu, o que amar amamos
não é tempo de amar agora, mas
o huno amor, o chão que corrompemos
com boi e grão, êste partir em fome.


Alberto da Costa e Silva - 1931, São Paulo/SP








Que ânsia de amar!E tudo a amar me ensina;
A fecunda lição decoro atento.
Já com liames de fogo ao pensamento,
Incoercível desejo ata domina.

Em vão procuro espairecer ao vento,
Olhando o céu,os morros,a campina,
Escalda-me a cabeça e desatina,
Bate-me o coração como em tormento.

É à noite,ai! como em mal sofreado anseio,
Por ela,a ainda velada,a misteriosa
Mulher,que nem conheço,aflito chamo!

E sorrindo-me,ardente e vaporosa,
Sinto-a vir(vem em sonho),une-me ao seio,
Junta o rosto ao meu rosto e diz-me:- Eu te amo!"


Alberto de Oliveira
1857, Palmital de Saquerema/RJ
1937, Niterói/RJ







Ó tu que vens de longe, ó tu que vens cansada,
entra, e sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho.
Vives sozinha sempre e nunca foste amada...

A neve anda a branquear lividamente a estrada,
e a minha alcova tem a tepidez de um ninho.
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã quando a luz do sol dourar radiosa
essa estrada sem fim, deserta, horrenda e nua,
podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha:
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...


Alceu Wamosy
1895, Uruguaiana/RS
1923, Livramento/RS







Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão — "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria.. .
" E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — "Por que não vieram juntos?"


Alphonsus de Guimaraens







Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...


Alphonsus de Guimaraens








Numa vida imperfeita, no imperfeito
mundo - sozinhos e desenganados -,
da afeição que ilumina iluminados
como de um sol oculto em nosso peito,

que em nós subitamente se levante
a delicada, e matinal lembrança
do que chama nos foi sendo esperança
e hoje é nuvem pousada em céu distante.

Flua de nossas almas luminosa
serenidade, e em paz alimentemos
o que o mundo tornou em rebeldia.

Que o sentimento seja a frágil rosa
à beira de um abismo que não vemos,
cegos de tanto respirar o dia...


Alphonsus de Guimaraens
1870, Ouro Preto/MG
1921, Mariana/MG








Eu vi a linda Estela, e namorado
Fiz logo eterno voto de querê-la;
Mas vi depois a Nise, e é tão bela,
Que merece igualmente o meu cuidado.

A qual escolherei, se neste estado
Não posso distinguir Nise d'Estela?
Se Nise vir aqui, morro por ela;
Se Estela agora vir, fico abrasado.

Mas, ah! que aquela me despreza amante,
Pois sabe que estou preso em outros braços,
E esta não me quer por inconstante.

Vem, Cupido, soltar-me destes laços,
Ou faz de dois semblantes um semblante,
Ou divide o meu peito em dois pedaços!


Alvarenga Peixoto
1744, Rio de Janeiro/RJ
1793, Angola/África








Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

Álvares de Azevedo
1831, São Paulo/SP
1852, Idem





No amor, nem sempre são as faltas o que mais nos prejudica, mas sim a maneira como procedemos depois de as ter cometido. "Oví­dio"