Como Queiras, Amor...
Como queiras, Amor, como tu queiras. Entregue a ti, a tudo me abandono, seguro e certo, num terror tranquilo. A tudo quanto espero e quanto temo, entregue a ti, Amor, eu me dedico.
Nada há que eu não conheça, que eu não saiba, e nada, não, ainda há por que eu não espere como de quem ser vida é ter destino.
As pequeninas coisas da maldade, a fria tão tenebrosa divisão do medo em que os homens se mordem com rosnidos de malcontente crueldade imunda, eu sei quanto me aguarda, me deseja, e sei até quanto ela a mim me atrai.
Como queiras, Amor, como tu queiras. De frágil que és, não poderás salvar-me. Tua nobreza, essa ternura tépida quais olhos marejados, carne entreaberta, será só escárneo, ou, pior, um vão sorriso em lábios que se fecham como olhares de raiva. Não poderás salvar-me, nem salvar-te. Apenas como queiras ficaremos vivos.
Será mais duro que morrer, talvez. Entregue a ti, porém, eu me dedico àquele amor por qual fui homem, posse e uma tão extrema sujeição de tudo.
Como tu queiras, meu Amor, como tu queiras.
Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'
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