Psy

"Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida" "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar" "Clarice Lispector"

24.12.07




Jean-Leon Gerome's - Pygmalion and Galate

Gift of Louis C. Raegner, 1927 (27.200)

Imagem:, apygmalion galatea by bananasfritters


Pigmaleão achou que as mulheres tinham tanto defeitos que resolveu abster-se de sexo e permanecer solteiro.
Ele era um escultor, e, com grande talento tinha feito uma estátua de marfim tão bela que a beleza de mulher alguma chegava aos seus pés. Era, de fato, a imagem de uma donzela viva, cuja modéstia impedia-a de mover-se.
Sua arte era tão perfeita que não parecia ter sido feita pela mão do homem e sim pela própria natureza.

Pigmaleão admirava a sua própria obra, tanto que acabou se apaixonando pela estatua. Muitas vezes tocava-a para certificar-se de que não estava vivendo, e ainda não acreditava que se tratasse apenas de marfim.
Fazia carícias na estátua e dava-lhe os presentes que as jovens tanto gostam de receber: conchas brilhantes e pedras preciosas, pequenos pássaros e flores de várias matizes, contas de âmbar. Pôs-lhes vestidos no corpo, jóias nos dedos, e um colar no pescoço. Nas orelhas, pendurou brincos e correntes de pérolas.
Vestiu-a, e ela não se tornou menos encantadora do que nua.

Pigmaleão a reclinou num sofá com panos tingidos de tírio, a chamou de esposa e apoiou sua cabeça em um travesseiro macio de penas, como se ela pudesse sentir a maciez.

O festival de Vênus, celebrado com grande pompa em Chipre, estava próximo.
Vítimas eram oferecidas em holocausto, fumaça subia dos altares e o perfume de incenso enchia a atmosfera.

Quando Pigmaleão já havia cumprido sua parte nas solenidades, parou em frente ao altar e timidamente disse:
- Ó vós, deuses onipotentes, daí-me por esposa... ” Não ousou dizer minha donzela de marfim”, mas em vez disso pediu “alguém que seja como a minha virgem de marfim”.
Vênus, que estava presente ao festival, ouviu-o e conhecia a intimidade de seus pensamentos; e como um sinal de seu favorecimento, fez que a chama do altar subisse três vezes no ar.

Quando Pigmaleão voltou para casa, encontrou sua estátua deitada no sofá e deu-lhe um beijo na boca. Pareceu-lhe que ela estava quente.
Ele apertou os lábios nos dela novamente, e tocou-lhe o corpo com as mãos; o marfim pareceu-lhe macio e flexível, como a cera de Himeto.
Ficou ao mesmo tempo assombrado e alegre, embora duvidasse do que via, temendo que poderia estar enganado, e assim, por diversas vezes, tocou o objeto de suas esperanças. Ela estava realmente viva! As veias cediam aos dedos quando pressionadas e voltavam ao seu formato natural. Afinal, o adorador da deusa disse algumas palavras de agradecimento e beijou os lábios ta reais quanto os dele. A virgem sentiu os beijos e corou, e, abrindo seus olhos acanhados, fixou-os naquele mesmo instante em seu amante.

Vênus abençoou o casal que ela havia unido, e dessa união nasceu Pafos, de quem a cidade consagrada a Vênus recebeu o seu nome.





Schiller, em seu poema Ideais, aplica essa lenda de Pigmaleão ao amor à natureza que vive nos corações juvenis.



Certa vez, em suas preces, no fluxo de sua paixão,
Pigmaleão abraçou a pedra.
Até que do mármore gelado fez brilhar
A luz do sentimento sobre ele.
Assim abracei, tomado de devoção juvenil,
A natureza brilhante, neste meu coração de poeta;
Até que a respiração e o calor e o movimento vital
Pareciam saltar das formas da estátua.



E ai, compartilhando todo o meu ardor,
A silenciosa forma encontrou expressão;
Devolveu o meu beijo de ousada juventude,
E compreendi o som ágil de meu coração.
Foi quando viveu para mim a brilhante criação;
O riacho prateado de canções provido;
As árvores, as sensações das rosas repartidas,
E um eco de minha vida ilimitada.



Pigmaleão e Galatéia, in O Livro de Ouro da Mitologia – Thomas Bulfinch



Imagens: Jean-Leon Gerome's

18.12.07

Timidez



Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...

- e um dia me acabarei.


Cecília Meireles

Imagens: da net.

16.12.07

Imgem: da net



Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,

Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Imgem: R. Tavares



Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.

E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.

Victor Hugo

Imgem: da net

12.12.07

Imagem: da net



As ocorrências difíceis da vida terão, acaso, um momento previsto para emergirem dos arquivos do Tempo?
Os acidentes e as desencarnações violentas serão esquematizados, segundo as dívidas das criaturas humanas em existências passadas e conforme o imperativo dos resgates respectivos no presente?"

Amigo, as suas perguntas são idênticas às indagações de numerosos companheiros, sugerindo-nos a imersão nos estudos do Karma ou lei de causa e efeito.
Entretanto, os princípios de causa e resultados, nas manifestações que lhes dizem respeito, sofrem muitos agravantes e atenuantes no transcurso dos dias, de acordo com as renovações ou desregramentos de cada companheiro da Humanidade, e isso nos exigiria tratados especiais, em torno do assunto, dos quais, aliás, já se incumbem nobres mentores da ascensão espiritual, reencarnados do mundo.
Nesse sentido, pedimos vênia aos amigos que nos aguardam a palavra para recorrermos às lições práticas da Natureza.



Imagem: Van Gogh/Semeador

Toda semente que plantarmos nos responderá, em hora certa, com a produção que se lhe vincule à espécie.

No entanto, ponderemos:
O tempo gasto pela bolota a fim de apresentar o carvalho nascente não é o mesmo despendido pela semente de laranjeira para mostrá-la no berço; a plantação da cidra não premia o pomicultor com os frutos esperados em processo idêntico ao do alface. No capítulo das flores, o bulbo da amarílis não entretece a auréola colorida que o distingue no mesmo número de semanas em que o plantio de cravos no-los oferece à contemplação.
Cada elemento do mundo vegetal tem a hora exata de se desenvolver, germinar, florir ou frutescer.

Emmanuel

Imagem: da net

2.12.07



A menina e a Estátua

Imagem © StevenPinker



A menina quer brincar com a estátua da fonte,
que é uma criança nua, em cuja cabeça os passarinhos
pousam depois do banho.

A menina, com muita precaução,
toca o braço da estátua,
e fala com ela essas coisas com outro sentido
que as crianças dizem umas às outras,
ou aos objetos com que conversam,
ou a si mesmas, quando estão sozinhas.



Imagem da net




A menina insiste com a estátua,
Convida-a a descer do plinto,
passa o dedo pelos seus pés de bronze
examinando-os e persuadindo-a.

E diante de tal silêncio,
fica séria e preocupada,
mira a estátua de perto,
como a um pequeno deus misterioso,
caminha de costas, mirando-a,
e fica de longe a mirá-la,
por um momento prolongado e respeitoso.



Cecília Meireles


Imagem da net

No amor, nem sempre são as faltas o que mais nos prejudica, mas sim a maneira como procedemos depois de as ter cometido. "Oví­dio"