Conheci uma senhora que se vangloriava de não precisar de amigos: "Tenho meu marido e meus filhos, e isso me basta".
O marido morreu, os filhos seguiram sua vida, e ela ficou solitária e injuriada com isso, como se o destino tivesse lhe pregado uma peça. Mais de uma vez queixou-se, e nunca tive coragem de lhe dizer, àquela altura, que a vida é uma construção, também a vida afetiva. E que amigos não nascem do nada como frutos do acaso: são cultivados com... amizade.
Sem esforço, sem adubos especiais, sem método nem aflição: crescendo como crescem as árvores e as crianças quando não lhes faltam nem luz nem espaço nem afeto.
Quando em certo período o destino havia aparentemente tirado debaixo de mim todos os tapetes e perdi o prumo, o rumo, o sentido de tudo, foram amigos, amigas - e meus filhos, jovens adultos já revelados amigos - que seguraram as pontas.
E eram pontas ásperas aquelas.
Agüentei, persisti, e continuei amando a vida, as pessoas e a mim mesma (como meu amado amigo Érico Veríssimo, "eu me amo mas não me admiro") o suficiente para não ficar amarga. Pois, além de acreditar no mistério de tudo o que nos acontece, eu tinha aqueles amigos.
Com eles, sem grandes conversas nem palavras explícitas, aprendi solidariedade, simplicidade, honestidade e carinho.
Sem razão especial nem data marcada, estou homenageando aqueles, aquelas, que têm estado comigo seja como for, para o que der e vier, mesmo quando estou cansada, estou burra, estou irritada ou desatinada - pois às vezes eu sou tudo isso, ah, sim.
E o bom mesmo é que na amizade, se verdadeira, a gente não precisa se sacrificar nem compreender, nem perdoar, nem fazer malabarismos sexuais, nem inventar desculpas, nem esconder rugas ou tristezas. A gente pode simplesmente ser: que alivio, neste mundo complicado e desanimador, deslumbrante e terrível, fantástico e cansativo.
Pois o verdadeiro amigo é confiável e estimulante, engraçado e grave, às vezes irritante; pode se afastar, mas sabemos que retorna; ele nos agüenta e nos chama, nos dá impulso e abrigo, e nos faz ser melhores: como o verdadeiro amor