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"Só algumas pessoas escolhidas pela fatalidade do acaso provaram da liberdade esquiva e delicada da vida" "Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa, ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar" "Clarice Lispector"

17.5.09

Cecília Meireles (Epigrama)

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I

Pousa sobre esses espetáculos infatigáveis
uma sonora ou silenciosa canção:
flor do espírito, desinteressada e efêmera.

Por ela, os homens te conhecerão:
por ela, os tempos versáteis saberão
que o mundo ficou mais belo, ainda que inutilmente,
quando por ele andou teu coração.

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II

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa:
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
Porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo despovoado e profundo, persiste.

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III

Mutilados jardins e primaveras abolidas
abriram seus miraculosos ramos
no cristal em que pousa a minha mão.

(Prodigioso perfume!)

Recompuseram-se tempos, formas, cores, vidas...
Ah! mundo vegetal, nós, humanos, choramos
só da incerteza da ressurreição.

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IV

O choro vem perto dos olhos
para que a dor transborde e caia.
O choro vem quase chorando
como a onda que toca na praia.

Descem dos céus ordens augustas
e o mar chama a onda para o centro.
O choro foge sem vestígios,
mas levando náufragos dentro.

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V

Gosto da gota d'água que te equilibra
na folha rasa, tremendo ao vento.
Todo o universo, no oceano do ar, secreto vibra:
e ela resiste, no isolamento.

Seu cristal simples reprime a forma, no instante incerto:
pronto a cair, pronto a ficar - límpido e exato.
E a folha é um pequeno deserto
para a imensidade do ato.

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VI

Nestas pedras caiu, certa noite, uma lágrima.
O vento que a secou deve estar voando noutros países,
o luar que a estremeceu tem olhos brancos de cegueira,
- esteve sobre ela, mas não viu seu esplendor.

Só, com a morte do tempo, os pensamento que a choraram
verão, junto ao universo, como foram infelizes,
que, uma lágrima foi, naquela noite a vida inteira,
- tudo quanto era dar , - a tudo que era o por.

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VII

A tua raça de aventura
quis ter a terra, o céu, o mar.
Na minha, há uma delícia obscura
em não querer, em não ganhar...

A tua raça quer partir,
guerrear, sofrer, vencer, voltar.
A minha, não quer ir nem vir.
A minha raça quer passar.

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VIII

Encostei-me a ti, sabendo bem que eras somente onda.
Sabendo bem que era nuvem, depus minha vida em ti.

Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino frágil,
fiquei sem poder chorar, quando caí.

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IX

O vento voa,
A noite toda se atordoa,
A folha cai.
Haverá mesmo algum pensamento
Sobre esta noite? Sobre o vento?
Sobre esta folha que se vai?

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X

A minha vida se resume,
desconhecida e transitória,
em contornar teu pensamento,

sem levar dessa trajetória
nem esse prêmio de perfume
que as flores concedem ao vento.

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XI

A ventania misteriosa
passou na árvore cor de rosa
e sacudiu-a como um véu,
um largo véu, na sua mão.

Foram-se os pássaros para o céu.
Mas as flores ficaram no chão.

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XII

A engrenagem trincou pobre e pequeno inseto.
E a hora certa bateu, grande e exata, em seguida.
Mas o toque daquele alto e imenso relógio
dependia daquela exígua e obscura vida?
Ou percebeu sequer, enquanto o som vibrava,
que ela ficava ali, calada mas partida?

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XIII

PASSARAM os reis coroados de ouro,
e os heróis coroados de louro:
passaram por estes caminhos.

Depois, vieram os santos e os bardos.
Os santos, cobertos de espinhos.
Os poetas, cingidos de cardos.
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Narciso, foste caluniado pelos homens,

por teres deixado cair, uma tarde, na água incolor,
a desfeita grinalda vermelha do teu sorriso.

Narciso, eu sei que não sorrias para o teu vulto, dentro da onda:
sorrias para a onda, apenas, que enlouquecera, e que sonhava
gerar no ritmo do seu corpo, ermo e indeciso,

a estátua de cristal que sobre a tarde, a contemplava,
florindo-a para sempre, com o seu efêmero sorriso...

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Entre o desenho do meu rosto
e o seu reflexo,
meu sonho agoniza, perplexo.

Ah! pobres linhas do meu rosto,
desmanchadas do lado oposto,
e sem nexo!

E a lágrima do seu desgosto
sumida no espelho convexo!

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Sede assim — qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Flor que se cumpre,
sem pergunta.

Onda que se esforça,
por exercício desinteressado.

Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados já frios.

Também como este ar da noite:
sussurrante de silêncios,
cheio de nascimentos e pétalas.

Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E à nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.

À cigarra, queimando-se em música,
ao camelo que mastiga sua longa solidão,
ao pássaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocência para a morte.

Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.

Não como o resto dos homens.

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Pelo arco-íris tenho andado.
Mas de longe, e sem vertigens.
E assim pude abraçar nuvens,
para amá-las e perdê-las.

Foi meu professor um pássaro,
dono de arco-íris e nuvens,
que dizia adeus com as asas,
em direção às estrelas.

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A serviço da Vida fui,
a serviço da Vida vim;

só meu sofrimento me instrui,
quando me recordo de mim.

(Mas toda mágoa se dilui:
permanece a Vida sem fim.)

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16.5.09

Cecília Meireles (Viagem Vaga Música)


Cecília Meireles

No dia de alguém ser meu não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia, o outro desapareceu...


Velho Estilo


Coisa que passas, como é teu nome?
De que inconstância foste gerada?
Abri meus braços para alcançar-te:
fechei meus braços, – não tinha nada!

De ti só resta o que se consome.
Vais para a morte? Vais para a vida?
Tua presença nalguma parte
É já sinal da tua partida.

E eu disse a todos desse teu fado,
Para esquecerem do teu chamamento,
Saberem que eras constituída
Da errante essência da água e do vento.

Todos quiseram ter-te, malgrado,
Prenúncios tantos, tantas ameaças,
Grande, adorada desconhecida,
Como é teu nome, coisa que passas?

Pisando terras e firmamento,
Com um ar de exausta gente dormida,
Abandonaram termos tranqüilos,
Portas abertas, áreas da vida.

E eu, que anunciei o acontecimento,
Fui atrás deles, com insegurança,
Dizendo que ia por dissuadi-los,
Mas tendo a sua mesma esperança.

No ardente nível dessa experiência,
Sem rogo, lágrima, nem protesto,
Tudo se apaga, preso em sigilos:
Mas no desenho do último gesto,

Há mãos de amor para a tua ausência.
E esse é o vestígio que não se some:
Resto de todos, teu próprio resto.
- Coisa que passas, como é teu nome?


Canção do Mundo Acabado


Meus olhos andam sem sono
Somente por te avistarem
de uma tão grande distância

De altos mastros ainda rondo
tua lembrança nos ares
O resto é sem importância

Certamente não há nada
de ti, sobre este horizonte
desde que ficaste ausente

Mas é isso que me mata
Sentir que estás não sei onde
mas sempre na minha frente

Não acredites em tudo que disser a minha boca
sempre que te fale ou cante

Quando não parece, é muito
quando é muito, é muito pouco
e depois nunca é bastante

Foste o mundo sem ternura
em cujas praias morreram
meus desejos de ser tua

Água salgada me escuta
e mistura nas areias
meu pranto e o pranto da lua,

A mim não fizeste rir
e nunca viste chorar

Por que o tempo sempre foi
longo pra me esqueceres
e curto pra te amar...



É preciso não esquecer nada


É preciso não esquecer nada:
Nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
Nem o sorriso para os infelizes
Nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
Nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
O nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
A idéia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
Vigiados pelos próprios olhos
Severos conosco, pois o resto não nos pertence.


Murmúrio


Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido, saudade da flor!
- Vê que nem te digo - esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!


Despedida


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.

Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.

Que procuras? Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.

A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?

Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.

Canção

Nós somos como perfume
da flor que não tinha vindo:
esperança do silêncio,
quando o mundo está dormindo.

Pareceu que houve o perfume...
E a flor, sem vir, se acabou.
Oh, abelha imaginativa
o que o desejo inventou...

Decifra-me...


Não me venha falar de razão, não me cobre lógica,
Não me peça coerência, eu sou pura emoção.
Tenho razões e motivações próprias, sou movido por paixão, essa é minha religião e minha ciência.
Não meça meus sentimentos, nem tente compará-los a nada,
deles sei eu, eu e meus fantasmas, eu e meus medos, eu e minha alma.
Sua incerteza me fere, mas não me mata.
Suas dúvidas me açoitam, mas não deixam cicatrizes.
Não me fale de nuvens, eu sou Sol e Lua.
Não conte as poças, eu sou mar, profundo, intenso, passional.
Não exija prazos e datas, eu sou eterno e atemporal.
Não imponha condições, eu sou absolutamente incondicional.
Não espere explicações, não as tenho, apenas aconteço, sem hora, local ou ordem.
Vivo em cada molécula, sou o todo e sou uno, você não me vê, mas me sente.
Estou tanto na sua solidão, quanto no seu sorriso.
Vive-se por mim, morre-se por mim, sobrevive-se sem mim.
Eu sou começo e fim, e todo o meio.
Sou seu objetivo, sua razão que a razão ignora e desconhece.
Tenho milhões de definições, todas certas, todas imperfeitas,
todas lógicas apenas em motivações pessoais, todas corretas, todas erradas.
Sou tudo, sem mim, tudo é nada.
Sou amanhecer, sou Fênix, renasço das cinzas, sei quando tenho que morrer, sei que sempre irei renascer.
Mudo o protagonista, nunca a história.
Mudo de cenário, mas não de roteiro.
Sou música, ecôo, reverbero, sacudo.
Sou fogo, queimo, destruo, incinero.
Sou água, afogo, inundo, invado.
Sou tempo, sem medidas, sem marcações.
Sou clima, proporcional a minha fase.
Sou vento, arrasto, balanço, carrego.
Sou furacão, destruo, devasto, arraso.
Mas sou tijolo, construo, recomeço...
Sou cada estação, no seu apogeu e glória.
Sou seu problema e sua solução.
Sou seu veneno e seu antídoto
Sou sua memória e seu esquecimento.
Eu sou seu reino, seu altar, e seu trono.
Sou sua prisão, sou seu abandono e sou sua liberdade.
Sua luz, sua escuridão e seu desejo de ambas.
Velo seu sono...
Poderia continuar me descrevendo, mas já te dei uma idéia do que sou.
Muito prazer, tenho vários nomes, mas aqui, na sua terra, chamam-me de AMOR.

Autor desconhecido


No amor, nem sempre são as faltas o que mais nos prejudica, mas sim a maneira como procedemos depois de as ter cometido. "Oví­dio"